

"Na minha infância, eu passava a vida a jogar à bola na rua. Aliás, quando eu ainda estava na barriga da minha mãe, ela já dizia que eu seria jogador de futebol, pois estava sempre a dar pontapés na barriga dela. "
Quando eu tinha onze anos, um amigo meu que era fanático pelo Atlético Mineiro, perguntou-me se eu queria ir lá fazer um teste. Os meus pais não tinham condições económicas para me ajudarem no futebol, eu não tinha “ padrinhos “, mas como estava sempre a jogar à bola, esse meu amigo pegou em mim, e decidiu levar-me a fazer um teste no Atlético Mineiro. No bairro onde eu cresci, haviam muitos adeptos do Atlético, e era comum, os garotos de lá, irem fazer testes ao clube. Acontece que o Atlético naquela altura já tinha encerrado as captações, e eles disseram-nos que só no ano seguinte é que voltariam a abrir vagas.
Fiquei bastante desiludido, mas essa desilusão durou pouco tempo. Após sairmos do Atlético, esse meu amigo lembrou-se que a sede do Cruzeiro ficava ali perto, e como não tínhamos nada a perder, decidimos arriscar, e lá fui eu. Eles aceitaram a minha inscrição, apesar de eu não ter idade para iniciar. Naquela época só se faziam testes a partir dos doze anos, mas mesmo assim, disseram-me para regressar e fazer o teste na semana seguinte. Logo no meu primeiro treino destaquei-me, ainda por cima no meio de rapazes mais velhos. Eles gostaram de mim, e começou a minha ligação ao Cruzeiro que durou mais de dez anos.
Cruzeiro e Atlético Mineiro, são os dois maiores clubes de Minas Gerais. São já 100 anos de rivalidade, com quase 500 jogos disputados entre os 2 emblemas. No total, “o Galo”, tem mais vitórias nos clássicos, mas é o Cruzeiro que mais títulos tem no seu palmarés.
Como eu sou de Belo Horizonte, sempre vivi na minha própria casa. Fiz todo o meu percurso na formação do Cruzeiro, até chegar à equipa principal, sem ter a necessidade de viver na Toca da Raposa.
A Toca da Raposa, é o Centro de estágio do Cruzeiro. Inaugurado em 1973, tornou-se no primeiro complexo desportivo do Brasil, projetado exclusivamente para estágios de equipas de futebol, e para receber jovens jogadores que representam o clube.
Apesar de ser mais velho do que eu, cheguei-me a cruzar com o Ronaldo Fenómeno, no Cruzeiro. Lembro-me de vê-lo lá no centro de treinos, tão jovem,mas já muito diferenciado dos outros. Um jogador de muita qualidade, que estourou na equipa principal somente com dezasseis anos e rapidamente foi chamado à seleção principal para ir disputar o Mundial de 94, nos Estados Unidos. Depois, todo o mundo teve o prazer de ver e acompanhar a trajetória do “Fenómeno”.
Ronaldo Fenómeno, jogou no Cruzeiro entre 1993 e 1994. Seu primeiro golo na equipa profissional, foi contra O´s Belenenses num jogo amigável. Na sua passagem pelo Cabuloso, Ronaldo apontou 56 golos em 58 partidas. Após o Mundial de 94, foi transferido para o PSV, e o resto… é história.
No Brasil existem muitos jogadores de qualidade, eu costumo dizer que 99,9% dos meninos querem ser profissionais de futebol. Infelizmente, não consegui chegar à seleção, nem mesmo nas categorias de base. Foi uma pena não ter sido convidado, mas estou orgulhoso do meu percurso. Percorrer toda as equipas da base do Cruzeiro, até à equipa profissional, não é fácil, e é um orgulho para mim, ter alcançado esse feito.
Quando cheguei à equipa principal, fui muito bem recebido por todos. O facto de ter passado nove anos na formação do clube, também facilitou a minha integração no plantel. O ano de estreia foi muito positivo e conquistámos a Copa do Brasil. Foi um ano de grande aprendizagem, onde tive o privilégio de jogar com grandes jogadores, e viver o sonho de jogar no Mineirão lotado.
O Cruzeiro é o clube que mais vezes conquistou a Copa do Brasil, seis no total. No ano 2000, venceram o São Paulo, que tinha na sua equipa jogadores como Rogério Ceni, Belletti, Edmilson ( campeões do mundo em 2002 ) e Raí ( campeão do mundo em 1994 ). A final foi disputada em duas mãos, registando-se um empate a zero no Morumbi, e na segunda mão no Mineirão, o resultado sorriu ao Cruzeiro ( 2x1 ), com o golo da vitória a ser apontado pelo ex- Benfica, Geovanni. Alonso ( ex- Nacional e Marítimo ) e Marcos Paulo ( ex- Sporting ), também contribuíram para essa conquista do Cruzeiro.
No Cruzeiro, tive a oportunidade de trabalhar com o Luiz Filipe Scolari. Foi o treinador mais importante que tive na minha carreira. Inclusivamente quando trabalhei com ele, fui o jogador mais utilizado nessa época. Eu jogava regularmente, mas a minha utilização passou a ser mais efetiva a partir do momento em que o Filipão assumiu o comando da equipa. Eu tinha as características que ele gostava muito num médio-defensivo, e foi espetacular trabalhar com ele. No segundo semestre, em 2001, ele sai para ir treinar a seleção, e as coisas pioraram. Tínhamos uma grande equipa, com Alex Souza, Sorín, Freddy Rincon, Edmundo, Luisão, Cris, Oséas, Geovanni… mas por incrível que possa parecer, lutámos contra o rebaixamento até ao fim do campeonato.
Na temporada seguinte, fui emprestado primeiro ao Criciúma e depois ao Vila Nova, passagens muito rápidas. Depois regresso ao Cruzeiro, onde não fico por muito mais tempo, e em 2003 assino pelo Nacional.
O Presidente Rui Alves, e o treinador na altura, José Peseiro, tinham vindo passar férias ao Brasil, e acabaram por aprofundar algum conhecimento sobre jogadores, com vista a formarem o plantel da equipa nesse ano. Vai daí falaram comigo, negociaram com o Cruzeiro e eu fui.
O José Peseiro acabou por ir para o Real Madrid, mas não houve problema nenhum com a minha transferência, isto porque o Filipão que era muito amigo do Casemiro Mior, indicou o nome dele ao Nacional, para substituir o José Peseiro. Eles se conheciam muito bem, e eu não tive problemas nenhuns com a ida do Peseiro para o Real Madrid. Apesar de ter sido ele a escolher-me para o Nacional, quem o foi substituir também recebeu todas as informações acerca das minhas qualidades. Por coisas assim, é que eu coloco o Scolari como o treinador mais importante da minha carreira, porque apesar de só me ter treinado uma época no Cruzeiro, ele acompanhou sempre o meu percurso, e demonstrou sempre muita preocupação e consideração por mim.
Casemiro Mior chegou a Portugal para orientar o Nacional na época 2003/2004. Na sua primeira temporada, o clube registou a melhor classificação de sempre na I Liga ( 4º lugar ). Ainda permaneceu na temporada seguinte, mas não concluiu a época. Regressou ao nosso país para representar OS Belenenses em 2008/2009, mas orientou a equipa somente, até à 5ª jornada.
Adaptei-me muito bem à Ilha da Madeira e ao clube. Encontrei lá grandes jogadores como o Rossato, que depois foi para o FC Porto e mais tarde jogou na Real Sociedad, o Adriano que era o nosso goleador, que também jogou no Porto, o Paulo Assunção que era um craque, e me ajudou muito na minha adaptação, com ele formei uma dupla muito equilibrada no meio-campo, o Alexandre Goulart e o Serginho Baiano, jogadores muito experientes, e que me ajudaram muito.
Nesse ano ficámos conhecidos pelo “ Chapa 4 “, porque aplicámos várias goleadas de quatro golos nos nossos adversários e fizemos uma temporada espetacular. Ficámos em quarto lugar, alcançámos o lugar europeu, muito bem orientados pelo Casemiro Mior. Não podia ter sido melhor.
Em 2003/2004, o Nacional na Choupana, goleou o Sp. Braga por 5x1, venceu o Benfica por 2x1, e travou o FC Porto e Sporting, empatando a zero com os dragões, e a três com os leões Adriano Louzada foi o segundo melhor marcador da Liga com 19 golos, menos 1 que Benni McCarthy. Liedson foi terceiro, com 15 tentos apontados.
Fomos eliminados no playoff de acesso à fase de grupos da Taça UEFA pelo Sevilla que já tinha uma grande equipa nesse ano. Fizemos um grande jogo lá, mas acabámos por perder 2-0, e na Madeira também estivemos bem, mas perdemos 1-2. Apesar de termos sido afastados, foi a minha primeira experiência nas competições europeias, joguei contra o Dani Alves, Sérgio Ramos, Júlio Batista…de resto o Sevilla conquistou essa competição consecutivamente nos dois anos seguintes.
O Sevilla foi afastado da competição nos oitavos de final pelo Parma. Nas duas épocas seguintes, foram os grandes vencedores da Taça UEFA, batendo os ingleses do Midlesbrough por 4x0, e os compatriotas do Espanyol nos penalties. De 2006 até 2020, os andaluzes conquistaram 6 vezes a Taça UEFA/ Liga Europa.
Internamente a época não foi tão boa como a anterior. Perdemos muitos jogos, e ficámos longe dos primeiros lugares da tabela. A época seguinte já foi muito melhor, e conseguimos voltar à Europa, já com o Manuel Machado a treinador.
O Manuel Machado é um professor. Um senhor muito bem educado, lidava de forma muito elegante connosco, sempre nos tratou com respeito. Há aqueles treinadores que gritam, insultam, e não sabem lidar com o grupo. O Professor Manuel Machado é bem diferente. Um treinador espetacular. Logicamente que aconteceram alguns episódios em que ele se exaltou, mas a sua postura era sempre tão educada, que no fim, nós até o aplaudíamos. Fui treinado por ele quatro anos. Três no Nacional e uma no Vitória Sport Clube.
Ao princípio era difícil de percebê-lo. Apesar de falarmos o mesmo idioma, o vosso sotaque é diferente, e ainda por cima o Professor Manuel Machado falava algumas palavras complicadas de entender. Mas depois foi tudo normal.
Manuel Machado contou com três passagens pelo Nacional, num total de sete épocas. No seu palmarés, encontram-se duas subidas de divisão ( II B para a II Liga ), um titulo da II Liga, e classificações para as competições europeias por Nacional e Vitória Sport Clube.
Eu tive o privilégio de jogar muitas vezes no Mineirão pelo Cruzeiro. Jogar para 70.000 pessoas, é algo indescritível, e quando cheguei ao Nacional, a realidade com que me deparei era outra. Um estádio pequeno, e com menor capacidade de assistência. Mas era engraçado na mesma, porque era acolhedor, até dava para ouvir os adeptos, sobretudo a claque das senhoras que não se cansavam de incentivar a nossa equipa. Ouviam-se tão bem, que até parecia que estavam dentro do campo. A Choupana só tinha mesmo um problema : quando caía o nevoeiro, o jogo ou era adiado, ou tínhamos de esperar para que passasse, para retomar a partida. Aconteceu isso várias vezes.
Durante esses sete anos, o Nacional classificou-se três vezes para a Taça UEFA/Liga Europa, mas só à terceira tentativa é que conseguimos chegar à fase de grupos… Nós nessas épocas fomos tendo sempre boas equipas, bons treinadores, e deixámos um legado muito positivo na história do clube. Conseguimos três classificações para a Europa, fomos eliminados nas duas primeiras vezes, por Sevilla e Rapid Bucareste, mas felizmente conseguimos classificar o Nacional para a fase de grupos na terceira tentativa
Uma eliminatória muito difícil contra o Zenit, ganhámos 4-3 na Madeira, e depois um grande jogo em São Petersburgo, onde empatámos 1-1, já perto do final da partida. Muito emocionante, e foi merecido. Depois, apesar de não termos passado o grupo, ainda fizemos bons jogos, mas o mais importante, foi termos conseguido colocar o Nacional no mapa da Europa. Coisa histórica, e que me deixa muito orgulhoso.
Na época 09/10 o Nacional conseguiu uma classificação histórica para a fase de grupos da Liga Europa, ao bater o poderoso Zenit de São Petersburgo. Depois da vitória por 4x3 na Choupana, o Nacional garantiu a passagem ao empatar a um golo na Rússia. Ruben Micael foi o autor do golo, em cima do minuto 90. A equipa integrou o grupo com Atlhletic Bilbao, Werder Bremen e Austria Wien. Os nacionalistas ficaram em terceiro lugar, somando 5 pontos.
Ao longo dos anos eu fui sondado por pessoas próximas do Benfica e do Porto. Tive algumas conversas com pessoas próximas dos clubes, mas nunca surgiu nada oficialmente. Eu também sabia que se falava bem de mim nesses clubes, mas infelizmente nada se concretizou.
Durante a minha passagem pelo Nacional, recebi uma proposta do Málaga. O Fernando Gaspar que tinha trabalhado com o José António Camacho no Benfica, gostava muito de mim, e quis levar-me para o Málaga onde ele estava nessa altura. Indicou-me ao treinador, e eu estive muito perto de assinar por eles. O problema é que o Málaga não tinha muita capacidade económica, e o Nacional não aceitou a proposta deles. Na altura fiquei desiludido, mas tinha contrato e tive de respeitar a decisão do Presidente. Nós somos profissionais, assumimos compromissos e temos de continuar motivados para trabalhar. Fiquei triste por uns dias, mas superei isso tranquilamente.
Cléber Monteiro jogou sete épocas no Nacional. Foram 182 jogos ( 170 a titular ) e é o terceiro jogador com mais jogos na história do clube na I Liga. João Aurélio ( 186 ) e Bruno Patacas ( 227 ) são os que mais vezes representaram os alvinegros na 1ª Divisão.
Surgiu a possibilidade de eu ir jogar para o Vitória e como o treinador da equipa era o Manuel Machado, não hesitei em aceitar a proposta. O Nacional tinha uma dívida com o Vitória, os clubes negociaram e lá fui eu. O treinador já me conhecia, eu também já sabia o que ele pretendia em campo, já era um jogador experiente e essa época foi muito boa para nós. Ficámos em quinto lugar, fomos à final do Jamor e a equipa garantiu a presença na Europa.
O Vitória Sport Clube ficou em 5º lugar na época 10/11 e disputou a final da Taça de Portugal, algo que não acontecia desde 1988. O adversário foi curiosamente o FC Porto e em ambas as finais foram os portistas os vencedores da prova rainha.
O Porto nesse ano tinha uma equipa formidável, um ataque imparável com Hulk, James, Falcão…era impossível parar esse Porto. Eles conquistaram tudo nessa época. Foi pena, queria muito ganhar a Taça de Portugal, mas eles eram realmente mais fortes. Esses foram três dos jogadores que mais me impressionaram, mas houve outros. O Diego e o Carlos Alberto, que também jogaram no Porto, o Pablo Aimar que jogou no Benfica…jogadores com muita técnica, muito difíceis de marcar e que me deram muitíssimo trabalho na minha passagem pelo futebol português.
O FC Porto de André Villas-Boas foi campeão invicto, equipa com mais golos marcados ( 73 ) e menos sofridos ( 16 ). Venceram o Vitória na final do Jamor por 2x6, e conquistaram também a Liga Europa, ao baterem na final, o Sp. Braga. Hulk com 23 golos foi o artilheiro da Liga, e Radamel Falcão com 17, foi quem mais golos fez na Liga Europa.
Fiquei apenas uma época em Guimarães, porque entretanto apareceu uma proposta do Cartagena e como eu sempre tive o sonho de jogar em Espanha, falei com o Presidente do Vitória, ele entendeu e libertou-me. Tinha mais um ano de contrato com o clube, mas era uma oportunidade única e o Presidente foi sensível e facilitou a minha saída.
Cléber Monteiro participou em 31 jogos pelo Vitória Sport Clube e marcou 1 golo.
Existiram algumas conversas sobre a possibilidade de me naturalizar português, mas com a mesma validade das sondagens feitas pelos clubes grandes. Eu sabia que as pessoas gostavam de mim, falei com elas acerca dessa possibilidade e inclusivamente o Filipão que era selecionador de Portugal, sempre manifestou um grande carinho por mim e uma simpatia especial pelas minhas qualidades.
Sempre que o Nacional ia jogar ao continente, ele tentava ir ver os nossos jogos e até teve um episódio que me marcou muito num deles. Nós tínhamos jogado contra o Estrela da Amadora e no final da partida, ele desceu do camarote e foi até à zona do balneário para falar comigo. Eu estava a tomar banho e o massagista do Nacional entrou e disse-me que estava lá fora o Filipão para me dar um abraço. Foi um treinador que me marcou bastante, sempre teve muita consideração por mim, e eu por ele. Representar a seleção portuguesa teria sido um orgulho, mas nunca houve nada em concreto.
O Cartagena estava a disputar a La Liga II e a aposta passava por subir para a primeira divisão. Fizeram muitas contratações, montaram uma equipa fortíssima, mas as coisas não começaram bem, os resultados positivos não apareceram, tivemos três treinadores nessa época e acabámos foi por descer de divisão. Eu assinei por três épocas, mas no meu contrato existia uma clausula, que caso nós descêssemos de divisão, ele automaticamente seria rescindido. Como descemos, eu fiquei livre.
Apesar do forte investimento, o Cartagena somou 20 derrotas, conquistou somente 9 vitórias e 13 empates. Com 40 pontos, fizeram companhia ao Alcoyano e Nástic. Após vários anos na Segunda Divisão B, o clube subiu a temporada passada à La Liga II.
Depois de tantos anos na Europa, estava decidido em regressar ao Brasil. Recebi várias propostas, mas acabei por escolher o Juventude, porque o diretor-técnico da equipa nessa época, tinha sido meu treinador nas camadas jovens do Cruzeiro. Esse foi o fator decisivo na minha escolha. Então, eu fiz essa época e depois encerrei a minha carreira no Vila Nova de Minas Gerais. No Vila Nova faço só uma época e depois decidi parar. Foi importante ter acabado num clube da minha cidade.
Antes de terminar a carreira, eu comecei a fazer uma reflexão acerca do meu perfil, das minhas qualidades, para ter uma ideia do que faria após a reforma. É importante ter a noção das nossas aptidões, a modo de encontrar uma função que encaixe no nosso perfil. Pensei em ser diretor, treinador-adjunto, mas tomei a decisão de ser agente de jogadores.
Associei-me ao Geovanni, que jogou no Benfica. Ele também é empresário e decidi juntar-me a ele, criámos uma empresa de agenciamento de jogadores. Quisemos usar a nossa experiência para ajudar futebolistas, sobretudo os mais jovens. Nesta área, como em outras, existem os bons e os maus e nós iniciámos este projeto, exatamente para direcionar os jogadores a escolherem o melhor para as suas carreiras. Felizmente eu nunca passei por uma situação má, mas conheci muitos jogadores, que quando mais precisaram dos empresários, não tiveram apoio nenhum. É muito comum os empresários ficarem perto dos jogadores quando eles estão a ter sucesso, mas quando as coisas não correm bem, eles desaparecem. Então foi nesse sentido, que nos juntámos ao sogro dele, Roberto Assunção, que foi nosso empresário enquanto jogadores de futebol.
Eu e o Geovanni somos amigos de infância, jogámos juntos na base do Cruzeiro e mesmo quando nos defrontávamos em Portugal, brincávamos sempre um com o outro antes dos jogos. Haviam sempre aquelas picardias saudáveis, entre dois amigos, mas quando chegava a hora do jogo cada um defendia a sua cor.
Eu próprio trabalhei na contratação do Paulo Bento para o Cruzeiro.
O vice-presidente do Cruzeiro com quem eu sempre tive uma relação muito próxima, abordou-me para eu lhe indicar um treinador do futebol português. O Cruzeiro estava sem treinador nessa altura e as possibilidades que existiam não agradavam á direção. Eu comecei a trabalhar nessa possibilidade e indiquei o nome do Paulo Bento para o vice-presidente e as coisas foram consumadas. Infelizmente as coisas não correram bem em termos de resultados, mas ainda hoje eu falo com pessoas que trabalharam com ele e todos dizem maravilhas do Paulo Bento. Os métodos do treino, as ideias dele, a sua liderança foi sempre muito elogiada. Acredito que foi o timming da sua chegada. Se o Paulo Bento tivesse preparado a época de início, as coisas correriam certamente muito melhor e ele teria o mesmo sucesso que o Jorge Jesus.
No Brasil, também há o problema da pressão dos adeptos, querem resultados imediatos, e como as coisas não correram bem ao início, ele depois também não teve o tempo necessário para mostrar serviço. Mas é igualmente um grande treinador, de resto Portugal tem muitos e bons. Sempre me identifiquei muito com a escola de treinadores portugueses e acho que o futebol brasileiro só tem a ganhar com a chegada deles.
Paulo Bento esteve à frente dos comandos do Cruzeiro apenas 76 dias, num total de 17 encontros. Foram 8 derrotas, 6 vitórias e 3 empates. Deixou a equipa na 19ª posição.
O Jorge Jesus chegou, viu e venceu. Fez coisas muito importantes no ano passado pelo Flamengo e isso acabou por abrir portas para outros técnicos portugueses, como o caso do Jesualdo Ferreira. O Jorge Jesus é um grande treinador e não me espantou o sucesso dele. Melhorou a qualidade de jogo do Flamengo e teve uma importância muito grande na mentalidade dos jogadores. Eu já o conhecia e uma vez até tive um episódio muito peculiar com ele.
Num jogo do Nacional, no Estádio da Luz, o jogo estava 0-0 e prestes a acabar a primeira parte. Houve um momento de alguma exaltação entre os jogadores, os últimos minutos tinham sido quentes e entretanto gerou-se uma confusão. O árbitro terminou a primeira parte, mas o clima continuou quente, e nisto, o Jorge Jesus invade o campo, vai na minha direção e começa-me a dar estalos e empurrões no peito, porque me tinha visto a discutir com o Luisão, que até tinha sido meu colega no Cruzeiro. Depois fomos para os balneários, a confusão continuou no túnel, tanto que o árbitro colocou isso no relatório e eu depois até tive de ir à Liga depor acerca desses acontecimentos. Quando regressámos para a segunda parte, o Jorge Jesus estava à minha espera, na boca do túnel para me pedir desculpa. Provavelmente porque o Luisão lhe terá dito que nós éramos amigos e que a nossa discussão estava a ser saudável. Coisas de um jogo de futebol.
Isso é do próprio jeito dele. Ao mesmo tempo acaba por cativar os adeptos, tanto é que todos gostam dele, não só os adeptos do Flamengo. Eu conheço bem o Jorge Jesus e até aprovei a ideia, de vê-lo a treinar a seleção brasileira.
