
A minha infância foi passada toda a jogar futebol. No apartamento onde morava na Cruz de Pau em Amora, havia uma rua fechada e eu ia para lá jogar à bola com os meus amigos. Ainda sou do tempo em que pedras e paus faziam de balizas, e os carros eram muitas vezes atingidos pelas bolas.
Alguns desses rapazes já jogavam no Amora, e frequentemente iam pedir aos meus pais para me deixarem ir também, só que no início, nunca se mostraram muito recetivos a essa possibilidade. Nos meus aniversários eu nunca queria prendas, só queria que os meus pais me deixassem ir lá treinar, e com os meus 7, 8 anos, após muita insistência , lá me deixaram ir fazer um treino ao Amora, e logo no primeiro dia, o treinador gostou muito de mim. Daí para a frente, a minha mãe passou a ser a minha maior fã, ela que não ligava a futebol, já o meu pai que sempre foi doido por futebol, ficou todo orgulhoso por constatar que eu tinha talento para a modalidade.
O Amora FC foi fundado a 1 de maio de 1921. Representaram o clube, jogadores como Matateu, Vitor Batista, Diamantino Miranda e José Peseiro.
O Benfica e o Amora tinham um protocolo, que permitia aos miúdos do Amora, irem fazer treinos de captação ao Benfica no final da época. Eu jogava somente há cinco meses, uma vez que tinha entrado a meio, mas mesmo assim fiz parte dos cinco que foram escolhidos.
Acabámos por ficar três no Benfica e num curto espaço de tempo, eu passei de implorar aos meus pais para me deixarem ir treinar ao Amora, para agora estar no Benfica. Fiz todo o meu percurso na formação, até chegar à equipa principal.
Tive o privilégio de ser treinado pelos irmãos Bastos Lopes, pelo Fernando Chalana, e claro, por outros treinadores que apesar de não terem sido referências enquanto futebolistas, ajudaram-me bastante na minha evolução, quer como jogador, quer como pessoa.
João Coimbra chegou ao SL Benfica em 1996, percorreu todos os escalões de formação até chegar à equipa principal.
Eu era capitão nas equipas de formação do Benfica e comecei a ser convocado para representar a seleção nacional sub-15. Na altura, os processos das convocatórias passavam muito pelos representantes das associações de futebol do nosso país e no Torneio Lopes da Silva, a Associação de Futebol de Lisboa onde eu jogava, ganhou-o.
A partir daí, comecei a ser representado pelo José Veiga, que na altura me confidenciou que tinha chegado até mim, porque uma vez tinha ido assistir a um “Real Madrid – Barcelona”, e nessa ocasião pediu aos responsáveis do Real Madrid, nomes de alguns jovens jogadores para formalizar contactos com eles. Eis que o pessoal do Real Madrid lhe disse que não havia necessidade de procurar lá, uma vez que em Portugal haviam bastantes, inclusivamente eu.
Luís Carlos Lopes da Silva, esteve ligado a várias modalidades desportivas ( ginástica, automobilismo, pesca e futebol ). Foi um dos melhores dirigentes do futebol português, assumiu funções na AF Vila Real e Coimbra. Trabalhou vários anos na FPF e fez parte da Comissão de Juniores da UEFA.
Tenho muito orgulho em ter representado Portugal em todos os escalões de formação, ouvir o hino antes dos jogos, ter sido campeão europeu sub-17, são sentimentos indescritíveis.
Em maio de 2003, Portugal sagrou-se campeão europeu de sub-17. João Coimbra participou em todos os jogos, tendo sido titular em 4 partidas. Portugal bateu na final a Espanha, de David Silva por 2x1. Nessa seleção, constavam ainda : Miguel Veloso, Hélder Barbosa, Vieirinha, Paulo Machado, João Moutinho e Carlos Saleiro. Curiosamente, só 4 dos 18 campeões europeus é que não chegaram ao principal campeonato nacional : Pedro Freitas, Paulo Ricardo, Tiago Costa e Márcio Sousa ( autor dos 2 golos da final ).
No meu primeiro ano de júnior, fui chamado pelo Mister Giovanni Trappatoni para fazer a pré-época com a equipa principal. Tinha se jogado o Euro 2004, muitos jogadores estavam de férias e foi necessário recorrer aos juniores para se iniciar os trabalhos. No ano seguinte, integro a equipa B e no último terço da temporada, o Mister Ronald Koeman chamou-me à equipa principal, disse-me que ia apostar em mim e que eu era o jogador com mais potencial na equipa B. Deu-me muita confiança e estreei-me ao serviço do Benfica com ele. No ano seguinte, já com o Mister Fernando Santos, é que integro definitivamente a equipa principal. Joguei muitos jogos, mas se formos a ver, o tempo de utilização foi escasso. Fui titular em três jogos, inclusivamente na Liga Europa, mas muitas vezes aconteceu, entrar em campo só para jogar os últimos cinco minutos. O plantel tinha muita qualidade, não havia espaço para eu jogar, mas tive oportunidades. O facto de aos 20 anos ter conseguido cumprir o meu sonho de criança, talvez me tenha retirado um pouco o foco e ambição.
João Coimbra entre 2005 e 2007, na equipa principal do Benfica somou cerca de 300 minutos.
O Rui Costa sempre foi o meu ídolo. Nos escalões de formação jogava a 6, mas a partir dos juvenis comecei a jogar mais à frente e o Rui Costa foi o jogador que mais me fez sonhar. Quando eu tive a oportunidade de jogar com ele no Benfica, foi um sonho tornado realidade. Eu era muito tímido, chegava ao balneário, entrava mudo e saía calado. Entrar ali, rodeado de craques, ainda por cima com o meu maior ídolo, acanhou-me.
O Rui Costa era muito profissional, levava as coisas muito a sério e a postura dele ao início, intimidava-me. Com o tempo, eu comecei a soltar-me mais e a partir do momento que ele soube que era o meu ídolo, começámos a ter mais proximidade. Se formos comparar com os dias de hoje, o plantel do Benfica está repleto de jogadores que fizeram formação no clube, muitos deles jogaram juntos em várias equipas e isso facilita muito a integração no grupo. Ainda me lembro de falar com o João Moutinho e de ele contar-me que quando chegou à equipa principal do Sporting, tratava o Pedro Barbosa por “senhor”, ou por “você”.
Tenho muito orgulho de ter conseguido fazer a formação no Benfica e de ter chegado à equipa principal. Na minha época, as instalações do Benfica, eram totalmente diferentes das de hoje. Não tenho dúvidas nenhumas, que não só eu, mas como muitos outros colegas meus, teriam tido mais espaço e mais oportunidades de chegar à equipa principal, se usufruíssemos das condições que a formação tem agora. Por mim, teria ficado no Benfica toda a minha vida, não consegui, mas orgulho-me do meu percurso e sobretudo, por ter ficado amigo de grandes jogadores, que até hoje tenho ligação, o que acaba também por demonstrar, o valor deles enquanto pessoas.
Para além de Rui Costa, João Coimbra cruzou-se no Benfica com : Luisão, Léo, Geovanni, Nuno Gomes, Simão Sabrosa, Petit, Miccolli, Katsouranis e Karagounis. Todos eles internacionais por suas seleções.
Em 2007/2008 fui emprestado ao Nacional. A ideia era eu sair da minha zona de conforto, jogar mais e preparar-me para regressar ao Benfica com mais maturidade. Infelizmente nada disso aconteceu e ao fim de seis meses, já me queria ir embora.
Não me dei bem com o treinador e psicologicamente fui abaixo. Perdi confiança e em determinados jogos, acusei a pressão. O principal responsável por isso, fui eu mesmo. Momentos nos jogos onde pura e simplesmente “tremi” e não consegui tranquilizar-me. Nesse período, senti-me desapoiado pelo Benfica. Era jogador do clube e desde o momento que fui emprestado, não recebi nenhum telefonema, nem sequer uma mensagem a demonstrar preocupação.
No ano seguinte, já no Gil Vicente, tive alguns colegas emprestados pelo FC Porto e a diferença de comportamento, era abismal. Clube e jogadores, estavam permanentemente ligados, houve alturas que dirigentes do FC Porto, iam ver os jogos do Gil e só faltava mesmo entrarem no nosso balneário. Nunca lhes faltaram com nada. Esta, a par do crescimento da formação, é a maior diferença que noto do Benfica do meu tempo, para os dias de hoje. Felizmente, as coisas melhoraram. Atualmente o Benfica tem uma estrutura diferente, que acompanha muito mais os jogadores. Ficou esse amargo na boca, mas sei separar o Benfica das pessoas, e é com satisfação, que vejo evolução no meu clube do coração
João Coimbra jogou apenas 10 jogos pelos insulares, sob a batuta de Pedrag Jokanovic. Em 2008/2009, disputou a II Liga ao serviço do Gil Vicente, que se fixou na 9ª posição da tabela classificativa. Ivanildo e Zequinha participaram na campanha gilista, emprestados pelo FC Porto.
O Benfica tinha uma dívida ao Marítimo, e então, eu, o Manu e o Paulo Jorge, fomos cedidos, para saldar essa dívida. Fomos fazer a pré-época na Venezuela, lesionei-me, e percebi que não teria muito sucesso por lá. Logo no primeiro contacto com o treinador, ele veio-me perguntar em que posição eu jogava. Era brasileiro e não conhecia nada do futebol português, eu também era miúdo e fui emprestado ao Gil Vicente. O Gil estava na II Liga, e eu apesar de ter estado três meses parado devido a duas entorses que sofri, ainda fui a tempo de jogar, de ser útil e a minha passagem pelo Gil Vicente foi bastante positiva. Eu assinei com o Marítimo por duas épocas e quando fui emprestado, impus a condição de serem eles a pagarem-me os salários. Acontece que fiquei alguns meses sem receber e rescindi contrato por justa causa.
Lori Sandri chegou para treinar o Marítimo na temporada 08/09, substituindo o técnico Sebastião Lazaroni, que tinha conseguido qualificar os verde-rubros para a Taça UEFA. Sandri foi despedido do Marítimo em fevereiro de 2009, deixando a equipa na 7ª posição da Liga.
Era um jogador livre e falei com o Hélder Cristovão que já conhecia do Benfica, para ir para o Estoril. O Estoril estava na II Liga, ele era o treinador e jogar perto de casa, foram motivos suficientes para assinar. Logo na primeira época realizei muitos jogos e comecei a sentir que podia deixar a minha marca no clube. Já havia a parceria com a Traffic e apesar da equipa ao longo dos anos ter sofrido algumas alterações, primeiro com a contratação de jogadores muito jovens e depois com jogadores mais experientes, eu fui sendo sempre fundamental na equipa.
A determinado momento deu-se um acontecimento decisivo na história do Estoril, que é quando o Marco Silva pega na equipa. Eu fui colega dele enquanto jogador, morávamos ambos na Margem Sul, íamos para os treinos juntos e nessa altura, ele já tinha o II nível de treinador. Sempre soube que estava ali alguém muito especial, mesmo enquanto futebolista, ele gostava de corrigir as nossas posições, chamava-nos à atenção nos lances de bola parada e foi sem espanto que acompanhei a evolução dele como treinador.
Até há uma história curiosa com ele e com o Professor Neca. No meu segundo ano de Estoril, o Professor Neca era o nosso treinador e houve um jogo em que o Marco Silva estava castigado e então, foi desafiado pelo Professor Neca para ir observar o jogo do nosso adversário seguinte. Quando entregou o relatório ao Professor Neca, este ficou impressionado com a qualidade do trabalho apresentado pelo Marco. Ainda antes de se tornar treinador, o Marco desempenhou funções de diretor, escolheu jogadores para reforçar o plantel e a meio da minha terceira época no Estoril, ele assume os comandos da equipa e nós somos campeões da II Liga.
Subimos de divisão e fizemos uma época extraordinária. Ficámos em quinto lugar, fomos às competições europeias, conseguimos algo histórico. Essa equipa era recheada de grandes jogadores, tanto que no final, acabaram por sair do Estoril para grandes clubes de Portugal.
Marco Silva jogou 6 épocas no Estoril. No ano de estreia como treinador, foi campeão da II Liga. Permaneceu por mais 2 temporadas nos canarinhos, onde obteve duas classificações históricas para a fase de grupos da Liga Europa. Seguiu-se o Sporting, conquistando uma Taça de Portugal. Foi despedido por Bruno de Carvalho, por alegadamente não vestir o fato oficial do clube em jogos oficiais. Um ano depois foi campeão grego pelo Olympiakos e nas 4 épocas seguintes, trabalhou em Inglaterra, entre Hull City, Watford e Everton. Atualmente, está desempregado.
No último jogo da Liga 12/13, sofri uma grave lesão no joelho e fui operado ao menisco externo. Passei um calvário de um ano, porque nos primeiros meses após ter sido operado, o meu joelho não parava de inchar. Andei a fazer muitos tratamentos para evitar uma segunda operação, mas acabei por ser novamente operado. Só joguei os minutos finais na última jornada em Alvalade contra o Sporting.
O Marco Silva no ano seguinte vai para o Sporting e para o lugar dele, veio o Mister José Couceiro, que a meio do verão, teve uma conversa comigo. Quando ele me chamou, eu pensei que era para falar da equipa e como era capitão, talvez quisesse saber mais pormenores acerca do plantel… mas estava enganado.
O meu contrato estava a chegar ao fim e ele deu-me a entender que devia procurar um novo clube, que me desse mais anos de contrato. Percebi que não ia ter oportunidade de jogar, e saí. Fiquei muito triste e chorei bastante. Ter rescindido com o Estoril, foi a situação mais dolorosa que vivi na minha carreira. Passei cinco anos fantásticos naquela casa, vivi coisas maravilhosas e o clube ficou no meu coração. Ainda quando desceram de divisão, eu fui ver o jogo a Santa Maria da Feira e sofri muito no meio dos adeptos pela descida para a II Liga.
O Estoril Praia desceu de divisão na época 17/18. Na última jornada, estavam com 1 ponto a menos que o Feirense e estavam obrigados a ganhar para evitar a despromoção. Registou-se um empate a zero.
À semelhança do que tinha acontecido quando assinei pelo Estoril, voltei a procurar um clube que tinha um treinador que me conhecia, neste caso, o Alex Costa. Ele estava a treinar o Académico de Viseu e fui para lá jogar seis meses da época. Os primeiros jogos correram-me mal, o facto de ter estado parado tanto tempo, contribuíram para isso, mas a II Liga tinha muitas jornadas e ainda mais com os jogos das Taças, eu com o tempo fui melhorando, o treinador deu-me total confiança e acabei por fazer uma série de bons jogos.
Através do empresário Emanuel Curto, surgiu a possibilidade de eu ingressar no Rapid Bucarest . Na altura, eu estava bem no Académico de Viseu, mas a proposta era muito aliciante e eu também queria experimentar outra liga. Falei com os responsáveis do Académico, foram compreensíveis e a equipa como estava numa posição tranquila no campeonato, não colocaram entraves na minha saída.
Depois de um ano no Académico de Viseu, Alex Costa ingressou no Vitória Sport Clube, para treinar a equipa de juniores. Como futebolista, já tinha representado o clube de Guimarães. Jogou também no Benfica e no Wolsfburg.
Quando cheguei ao Rapid, a equipa estava em último lugar, somente com onze pontos, num campeonato de dezoito equipas, onde desciam seis. Em janeiro, o clube apostou forte e contrataram vários jogadores para além de mim. O Sapunaru, que jogou no FC Porto, é um adepto confesso do Rapid e também se juntou à equipa
As coisas melhoraram significativamente, começámos a subir na tabela e os adeptos foram extraordinários. O ambiente no estádio é fantástico, semelhante ao que se vive no Estádio da Luz e no último jogo do campeonato, dezenas de adeptos foram-nos desejar boa sorte e ao mesmo tempo, agradecer-nos por termos dado tudo para evitar a despromoção. Eu e a minha esposa adorámos viver em Bucareste, na altura só tínhamos uma filha e a nossa adaptação foi muito rápida. Bucareste é uma cidade lindíssima, muito semelhante à nossa Lisboa. Nos meses que lá estive, só tenho um apontamento negativo : ficaram-me a dever três ordenados. O clube decretou insolvência e lá na Roménia as coisas demoram muito tempo para serem resolvidas. Não sei se me irão pagar, mas independentemente disso, fui bastante feliz na Roménia.
Nos últimos anos, foram vários os clubes romenos que declararam insolvência : Petrolul, Cluj, Dínamo, Otelul Galati e Universitatea Cluj.
Depois de uma época em que jogando pelo Académico e Rapid, somei cerca de quarenta jogos, estava preparado para encarar um projeto ambicioso. A verdade, é que em Portugal não apareceu nenhuma proposta e o empresário Carlos Gonçalves, sugeriu-me o campeonato indiano. Fiquei reticente, porque geralmente associamos esse campeonato a jogadores que já estão em fim de carreira e o próprio país não me seduzia muito. Não estava interessado em ir, mas como não apareceu nada de concreto em Portugal e como já tinha falado com um antigo colega meu no Rapid, que tinha adorado jogar na Índia, acabei por ir. A experiência na Índia foi muito enriquecedora para mim, no plano humano. Desportivamente as coisas não correram bem à minha equipa, o Kerala Blasters, mas por outro lado, fiquei impressionado com a organização do clube e até da própria competição.
A época era feita em quatros meses, pouquíssimo tempo, mas o facto de estarem lá grandes estrelas do futebol, acabou por atrair sempre muitos espetadores, num país que tem no cricket, a maior paixão desportiva. No estádio onde nós jogávamos, duas horas antes dos jogos, já estavam sessenta mil pessoas nas bancadas. A experiência de jogar num estádio lotado, é algo indescritível e eu tive o privilégio de fazê-lo pelo Benfica, Rapid e Kerala Blasters. Quem tiver curiosidade, pode procurar vídeos dos Blasters Fans e testemunhar a loucura que se vive no estádio.
Nós ficávamos em hotéis de cinco estrelas e aquilo era como estar em estágio durante quatro meses. Eu raramente saía para a rua e na cidade onde a minha equipa jogava, haviam muitos pobres, encontrei muita miséria e estar ali dentro de um hotel de cinco estrelas, quando sabia que havia tanta gente a passar dificuldades, perturbava-me. No entanto, eu olhava para as pessoas e via felicidade nos olhos delas, conseguiam ser felizes com pouco. Tenho até um episódio que me marcou muito: o hotel onde costumava ficar, era no meio de um descampado. Muitas crianças aproveitavam esse espaço para jogarem cricket e numa dessas vezes, eu estava à varanda, quando do nada, um miúdo começou a fazer as suas necessidades, olhava para mim e sorria e quando terminou, acenou e voltou para junto dos amigos. Situações dessas ajudaram-me a crescer muito, enquanto homem.
Nos últimos anos, a Índia construiu uma Super Liga. Simão Sabrosa, Hélder Postiga, Elano, Roberto Carlos, Robert Pires, Anelka, Berbatov e Carlos Marchena que jogou com João Coimbra no Kerala Blaster, foram alguns dos craques mundiais, que disputaram o campeonato indiano
Ter ido para a Índia tão novo, acabou por me prejudicar desportivamente. Quando regressei a Portugal, estávamos em janeiro e não houve clube nenhum a interessar-se por mim. Acho que apesar de na altura ter 29, 30 anos, o facto de ter vindo da Índia, de já estar careca, de ter aparecido no futebol muito jovem, acredito que tenha influenciado as pessoas a olharem para mim como um veterano. Como não houve clube nenhum a acreditar no meu potencial, decidi parar de jogar e dedicar-me ao acompanhamento da gravidez da minha esposa, ficando assim, seis meses sem jogar.
Sempre que me encontrei sem clube, eu recorri aos estágios organizados pelo Sindicato de Jogadores e tenho que enaltecer todo o trabalho e todo o apoio que eles promovem aos jogadores desempregados. Nesse verão, eu voltei a estagiar com eles e fiquei com esperança de ser contactado pelo menos por um clube da II Liga, mas a verdade é que só recebi propostas do CNS.
O Nuno Kata que estava na União de Leiria falou comigo e como de todos os clubes que me procuraram, era o que reunia melhores condições, fui para lá jogar. Gostei muito de trabalhar com o Nuno Kata, mas por volta do natal ele saiu e isso abalou o grupo, porque gostávamos muito dele. Tínhamos uma boa equipa, continuámos a ganhar jogos, mas infelizmente não chegámos à fase de subida. Na última jornada estávamos em igualdade pontual com o segundo classificado e só não fomos à fase de subida pela diferença de um golo. Fiz muitos jogos em bom nível na União de Leiria e voltei a acreditar que pudesse aparecer um clube da II Liga, o que mais uma vez, não voltou a acontecer.
Recebi um convite do Trofense que estava no CNS e fiquei entusiasmado pelo projeto. Tinham um presidente novo, queriam voltar à II Liga, mas a verdade é que não tínhamos plantel para tanto. No decorrer dessa época tivemos vários treinadores, até que em dezembro chegou o Mister Quim Berto. Fizeram algumas contratações cirúrgicas e a equipa melhorou bastante. Fomos uma das melhores equipas da segunda volta, e conseguimos a manutenção, algo que para muitos era visto como impossível. No Trofense voltei a estar em bom nível e continuei a alimentar a esperança de dar um salto para um escalão acima.
Uma vez que não voltei a ter oportunidade de jogar pelo menos na II Liga em Portugal, decidi emigrar para o Luxemburgo. Assinei pelo US Mondford-les-Bains da I Liga luxemburguesa, estou cá há dois anos e tem sido muito bom. Aqui, as equipas são praticamente todas semi-profissionais e eu para além de jogar futebol, trabalho numa das quatro lojas de ortopedia do diretor-desportivo do clube. Vai ser muito difícil de implantar o futebol profissional no Luxemburgo, porque os jogadores ganham muito dinheiro exercendo as suas profissões. Aqui eles valorizam muito os trabalhadores e o futebol acaba por ser visto como um part-time. Ao princípio estranhei um bocado, porque nem há estágios antes dos jogos, nem sequer almoço com a equipa. Se um jogo estiver marcado para as 16h00, dizem-nos para estarmos à porta do estádio às 14h00 e é assim que funciona.
Em Portugal treina-se todos os dias, só há uma folga por semana e mesmo nas vésperas dos jogos, treina-se. Aqui não, porque são os próprios jogadores que argumentam que precisam de estar com as suas famílias. Do ponto de vista competitivo, o campeonato assemelha-se à II Liga portuguesa, mas na questão da intensidade dos jogos, é mais ou menos parecido com o CNS. Os jogadores trabalham durante o dia, fazem poucos treinos e como é óbvio, a disponibilidade física é mais baixa. Isto tem sido uma grande aprendizagem para mim, passei a valorizar muito mais o futebol amador. Homens que vão treinar à chuva, ao frio, depois de um dia de trabalho, que abdicam de passar os domingos em família para irem jogar futebol, sem receberem dinheiro, merecem muito o meu respeito. Sobretudo em Portugal, onde se ganha bem menos do que no Luxemburgo.
Aqui o ordenado mínimo são dois mil euros, o nível de vida é muito superior e os trabalhadores são muito bem pagos. Tenho colegas na minha equipa, que ganham seis mil euros nos seus empregos e essa é uma das razões para quererem continuar sem o futebol profissional. Acho que o Luxemburgo tem condições para melhorar a qualidade do seu futebol, já têm saído daqui jovens jogadores para a Inglaterra e Alemanha. O Luxemburgo faz fronteira com três potências do futebol mundial e com os jogadores totalmente dedicados ao futebol, tenho a certeza que podem crescer muito mais. Podemos observar a evolução da seleção luxemburguesa e notar que as goleadas que sofriam, não acontecem mais.
Trabalhar na loja de ortopedia, ajuda-me bastante a desenvolver a língua francesa. Esse foi um dos principais fatores que me levou a aceitar este emprego, porque assim aproveito e evoluo nessa matéria. Na minha equipa estão lá muitos jogadores que falam português, mas no dia-a-dia é francês que falo. Tinha decidido juntamente com a minha esposa, regressar a Portugal no final desta época, mas com o surgimento da pandemia, eu vou ficar mais um ano no Luxemburgo. Já tínhamos duas meninas e nasceu há pouco tempo um menino. Temos muitas saudades de Portugal, sobretudo as meninas e por isso a minha esposa regressou com elas, mas eu vou ficar por aqui mais um ano, até porque o clube insistiu bastante para que eu ficasse. Eu tenho o I nível de treinador, e passa pelos meus objetivos tirar o II. O meu futuro passará certamente por me tornar treinador, mas aí, já em Portugal. O ano passado entrei para o mundo empresarial, e abri a Ótica da Piedade, na Margem Sul.
