“Eu considero-me um campeão. Só quem passa pelo que passei, é que sabe dar o valor. Eu sou de uma cidade pequena chamada Novo Cruzeiro, em Minas Gerais. Sou de origem humilde e na minha infância as coisas foram difíceis. Eu tenho seis irmãos, os meus pais nunca nos faltaram com nada, mas não havia luxos, vivíamos com o mínimo essencial.

Consegui chegar onde cheguei, primeiramente graças a Deus e depois, graças a um grande amigo meu chamado Aecio Sales. O Aecio, era dono do clube onde eu jogava na minha juventude, infelizmente o filho dele tinha um problema de saúde e ele teve de ir viver para uma cidade maior, chamada Governador Valadares. Uma vez ele estava numa loja de artigos desportivos e ouviu uma conversa entre o funcionário da loja e um diretor do Democrata GV, onde este se queixava da dificuldade em encontrar um defesa central para a equipa. O meu amigo intrometeu-se na conversa e disse que conhecia um jogador que tinha condições para colmatar essa ausência. Falou muito bem de mim e o diretor do Democrata pediu-lhe para eu me apresentar no clube, para fazer uns treinos. Assim foi e lembro-me como se fosse hoje.

Naquela altura, na minha cidade só existiam duas viagens para Governador Valadares, a primeira às 06h00 e a outra às 16h00. Acontece que o treino era às 15h30 e eu tinha mesmo de sair de madrugada para apanhar o autocarro. Esta história está gravada até hoje no meu coração. Não consegui dormir na véspera e antes de sair de casa, entrei no quarto dos meus pais, toquei nas minhas pernas e disse-lhes com estas palavras :- “ Estas pernas, irão-nos dar muito dinheiro.” Ainda hoje me emociono quando conto esta história.

Quando cheguei a Valadares fui muito mal tratado. Os jogadores da base viviam todos numa casa, olharam para mim como se fosse um “ Zé- ninguém” e fui mal recebido por todos. Aguentei forte, firme, sofri, mas não cedi. A equipa tinha acabado de contratar um treinador e ele deu o seu primeiro treino, justamente no dia em que eu fui fazer testes. Ao fim de quinze minutos, ele parou o treino, chamou-me e disse-me para passar na secretaria do clube, levar os meus documentos  e uns papéis para o meu pai assinar. Estava contratado. No fim de semana seguinte, fomos fazer um jogo amigável e o treinador deu-me a braçadeira de capitão. Nunca mais a larguei, só quando subi ao plantel principal.
Após alguns meses na equipa de juniores, recebi duas chamadas : uma de Deus e outra do treinador da equipa profissional. Um dos defesas centrais do Democrata tinha sido expulso no jogo anterior e eu fui convocado só para fazer número, no jogo seguinte, que era contra o Atlético Mineiro, o clube do meu coração. Tinham-se passado somente quatro meses desde que saíra da minha cidade, até jogar contra craques que via pela televisão. Quando cheguei à concentração, estava super entusiasmado : hotel de luxo, comida gostosa, grandes mordomias… tudo o que eu nunca tinha tido.  O jogo era no dia seguinte às 16h e depois do jantar fomos dormir. Não preguei olho a noite inteira, só por volta das 05h00 é que o sono veio e quando finalmente adormeci, sonhei que tinha jogado e feito um golo.

Quando fomos tomar o pequeno almoço, eu virei-me para o meu colega de quarto e disse-lhe : “ Mauro, durante a madrugada eu sonhei que ia jogar e que ia fazer um golo. Mas pelo amor de Deus, não contes isto a ninguém.” Ele sorriu e ainda gozou comigo:- “ Só mesmo em sonhos. Nem sequer vais sair do banco, quanto mais marcar um golo!?”.

Fomos para o Mineirão, o treinador anunciou o onze inicial e toda a gente ficou espantada, porque o meu nome constava na equipa.
Ele sabia que eu estava preparado e que a única coisa que teria de fazer, era marcar o Aílton, que jogou no Benfica. Para todo o lado que ele fosse, eu teria de ir atrás.

O jogo foi transmitido pela televisão, para todo o estado de Minas Gerais, inclusivamente para a minha cidade. Um amigo meu estava no Mineirão e teve a audácia de levar uma tarja com a seguinte frase : “Lobão, Novo Cruzeiro está com você”. Quando eu vi aquilo, pensei :- “ Meu Deus do Céu!!”. O jogo começou e eu fiz exatamente tudo o que o treinador pediu, segui o Aílton para todo o lado, ele era o craque e artilheiro da equipa e não dei um milímetro de espaço para ele. Estava preparado, mas nervoso também. Cada bola que sobrava, eu rebatia, atirava para longe, para fora… o importante era não facilitar. Fomos para o intervalo empatados a zero e a minha confiança foi aumentando. Na segunda parte, voltei a estar atento a todos os movimentos do Aílton e não vacilei.

O tempo foi passando, até que aos 35 minutos houve um livre indireto do lado esquerdo a beneficiar à nossa equipa e eu subi até à área do Atlético Mineiro. Cruzamento, eu subi e nas alturas cabeceei para dentro da baliza do João Leite, pai do Helton Leite que é guarda redes do Benfica e fiz o golo. Uma emoção indescritível. Não sabia se chorava, se sorria, se gritava…

Fui abençoado por Deus. Ele só colocou gente boa na minha vida. Meus pais, minha esposa e meus filhos. Sou um homem de sorte.”

Brevemente, toda a entrevista, em exclusivo no Jogo Direto.